quarta-feira, 24 de abril de 2019

Dói

Que saudade de você
Trancar o dedo numa porta dói. 
Saudade de um irmão que mora longe. 
Saudade de uma cachoeira da infância. 
Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. 
Saudade do pai que já morreu.
Saudade de um amigo imaginário que nunca existiu.
 Saudade de uma cidade.
Saudade da gente mesmo, quando se tinha 
mais audácia e menos cabelos brancos. 
Doem essas saudades todas. 
Mas a saudade mais dolorida é
 a saudade de quem se ama. 
Saudade da pele, do cheiro, dos beijos.
Saudade da presença, e até da ausência consentida. 
Você podia ficar na sala e ele no quarto,
sem se verem, mas sabiam-se lá.
Você podia ir para o aeroporto e ele para o dentista, 
mas sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-lo, ele 
o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã. 
Mas quando o amor de um acaba, 
ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.

Saudade é não saber. 
Não saber mais se ele continua se gripando no inverno. 
Não saber mais se ela continua clareando o cabelo.
 Não saber se ele ainda usa a camisa que você deu. 
Não saber se ela foi na consulta com o 
dermatologista como prometeu. 
Não saber se ele tem comido frango de padaria,
se ela tem assistido as aulas de inglês, se ele 
aprendeu a entrar na Internet, se ela aprendeu a 
estacionar entre dois carros, se ele continua fumando 
Carlton, se ela continua preferindo Pepsi, 
se ele continua sorrindo, se ela continua dançando, 
se ele continua pescando, se ela continua lhe amando.

Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias 
que ficaram mais compridos, não saber como encontrar 
tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber 
como frear as lágrimas diante de uma música, não saber 
como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.

Saudade é não querer saber. 
Não querer saber se ele está com outra, 
se ela está feliz, se ele está mais magro, 
se ela está mais bela. Saudade é nunca mais querer 
saber de quem se ama, e ainda assim, doer.
Martha Medeiros